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Artigo de Imprensa / Aug 21, 2020

Como as empresas portuguesas se reinventaram durante a crise

Revista CIP, 21 agosto 2020

O mundo mudou com a COVID-19 e os agentes económicos também. Três empresas explicam como a pandemia impactou as suas operações e como tiveram de readaptar a sua atividade a uma nova realidade.

 Em janeiro de 2020, o novo coronavírus parecia ser um problema circunscrito ao continente asiático, mas algumas empresas portuguesas, principalmente aquelas com exposição aos mercados asiáticos, cedo se aperceberam de que esta não seria uma crise passageira. Muitas reagiram rapidamente, começando a adotar planos de contingência e fazendo ajustes na sua atividade para responder a uma nova realidade.

A Hovione, foi um desses casos. A farmacêutica portuguesa tem uma unidade na Região Administrativa Especial de Macau e no início do ano mobilizou a sua equipa para a produção de uma solução antisséptica de base alcoólica (SABA). “A nossa fábrica [em Macau] começou a produzir SABA logo em janeiro, quando a epidemia de COVID-19, que tinha começado em Wuhan, obrigou a tomar as primeiras medidas”, explica fonte oficial da empresa. Esta experiência acabaria por revelar-se fundamental quando o surto chegou a Portugal e o país se deparou com o problema da escassez de gel desinfetante para a proteção dos profissionais de saúde, da segurança e para os trabalhadores dos serviços essenciais. Nessa altura, a Hovione decidiu mobilizar a sua equipa na fábrica de Loures para produzir a solução antissética já fabricada em Macau.

 

Esta decisão obrigou a adaptação da linha de produção e exigiu a criação de uma equipa exclusivamente dedicada a este objetivo. “No total, foram produzidas cerca de 250 toneladas da solução SABA, a um ritmo médio de 40 toneladas por semana, uma quantidade suficiente para lavar as mãos de 400 mil pessoas durante uma semana”, explica a empresa. A produção da solução antissética foi oferecida pela empresa a 700 entidades em Portugal, que estiveram na linha da frente do combate à pandemia. Esta iniciativa, pro bono, representou um custo para a Hovione na ordem do meio milhão de euros.

Atualmente, e tendo em conta que deixou de existir escassez de gel desinfetante no mercado, a Hovione deixou de produzir SABA. “A pandemia COVID-19 não mudou o carácter e os processos da nossa organização, mas obrigou a que nos adaptássemos para dar resposta imediata aos novos objetivos e às necessidades dos nossos clientes, além da imperiosa proteção dos nossos colaboradores”, assegura a empresa.

 

Inarbel: Do vestuário para a produção de batas hospitalares

Dar uma resposta rápida foi também uma das principais preocupações de José Armindo Ferraz, CEO da Inarbel, empresa têxtil dedicada à produção de vestuário de criança, homem e senhora. Quando, no início do ano, depois de entregar a coleção de primavera/verão, as encomendas de inverno começaram a ser canceladas, Armindo Ferraz percebeu a dimensão que a pandemia iria ter no negócio. “Tivemos aí o nosso sinal de alerta e percebemos que tínhamos de encontrar alternativas”, explica. Ainda a COVID-19 estava longe de Portugal, quando um colega industrial espanhol lhe propôs, em fevereiro, começar a produzir material hospitalar. “Começámos então a procurar um tecido que fosse impermeável e reutilizável, fizemos amostras e começámos a produzir batas”, conta. Certificou o tecido no CITEVE, certificou a bata como Equipamento de Proteção Individual (EPI), impermeável e para reutilização até 50 vezes. A aposta foi bem-sucedida. A Inarbel vendeu 5.000 batas para a Ordem dos Médicos em Portugal e produziu 450 mil para exportação, principalmente, para Espanha e também para França.

 

Neste momento, mantém a produção de batas e já tem uma marca registada, de produção de batas reutilizáveis e de utilização única e já submeteu um projeto COVID-19 para estabelecer uma linha unicamente de produção de material têxtil hospitalar. “Este é um projeto para o futuro. Portugal e a Europa não podem estar dependentes da Ásia no fornecimento de materiais de produtos essenciais, nomeadamente material hospitalar”, defende.

Este novo rumo da Inarbel permitiu-lhe amortecer, em parte, os efeitos económicos da COVID-19. “Se não tivesse encontrado esta alternativa, o impacto seria brutal. Em vez de um lay-off parcial, teria de ter recorrido a um lay-off total e, certamente, por mais de um mês”, confessa o CEO da empresa. “Foi um grande balão de oxigénio. Foram muitos dias a pensar, muitas noites sem dormir, horas ao telefone, a estabelecer contactos, para conseguir dar a volta à situação. Aliás, toda a indústria têxtil o fez. As nossas empresas e os nossos empresários têm dado resposta a todos os problemas”. É por essa razão que José Armindo Ferraz deixa um apelo: “Não se virem para a Ásia, nós estamos cá, temos condições, temos produtos certificados, de qualidade”.

 

 Restauração: Um setor que teve de reajustar-se

Mas não é apenas na indústria que encontramos casos de empresas que adaptaram as suas atividades à realidade que a COVID-19 impôs. Um pouco por todo o país e por muitos setores de atividade, as empresas tiveram de reagir rapidamente e encontrar novas formas de ir ao encontro das necessidades dos seus clientes.

Pedro Lemos, empresário e dono de um restaurante com o mesmo nome, no Porto, conta a sua experiência: “Estes dois meses e meio serviram para refletir, para fazer novas projeções, porque enfrentamos uma nova realidade, estamos a fazer projeções para o desconhecido. Mas eu acredito que a globalização, a deslocalização de pessoas pelo mundo não se vai perder. Vão existir grandes alterações, algum sofrimento, mas estamos cá”. No seu caso, Lemos aproveitou os últimos meses para fazer alguma manutenção: fez uma remodelação completa do terraço porque percebeu que as pessoas iriam privilegiar os espaços exteriores, pela sensação de maior segurança em relação ao risco de contágio. A decisão revelou-se certeira, uma vez que todas as reservas que teve desde a reabertura optaram pelo espaço exterior. As adaptações não se ficaram por aqui: “Criámos um menu mais curto, mais acessível. Mantivemos toda a oferta anterior, mas criámos também uma proposta mais reduzida”, explica o proprietário do Pedro Lemos Restaurante.
 

O seu plano inicial era ter a equipa em lay-off até ao final de junho, mas o empresário decidiu contrair um empréstimo, através das linhas Covid, e decidiu reabrir mais cedo, a 1 de junho: “Temos de mostrar ao público e à comunidade que estamos cá, que cumprimos com todas as normas, que continuamos a ser seguros. E também para aliviar a economia. Se tenho as condições reunidas e se estou saudável financeiramente, então tenho de ir à luta”, remata.
 

*Artigo publicado na Revista Indústria nº 124, 2º trimestre 2020
Ler artigo no website CIP ou ver Revista Indústria nº124 na íntegra

 

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O Secretário de Estado do Ambiente deixou o alerta aos empresários na conferência “Going Sustainable: Oportunidades para Empresas Portuguesas nos EUA e na Europa”, promovida pela AmCham Portugal. "A sustentabilidade é, e continuará a ser, um fator de competitividade para as empresas”. A frase, de António Martins da Costa, é suportada por dados recentes do World Economic Forum (WEF) que apontam para a importância crescente que os gestores (47% dos inquiridos pela organização) atribuem à identificação e mitigação das mudanças climáticas, que encaram cada vez mais como um fator transformador para os seus negócios. Mas, o presidente da AmCham Portugal revelou ainda, durante a sessão de abertura da conferência “Going Sustainable: Oportunidades para Empresas Portuguesas nos EUA e na Europa”, que os temas ambientais e os riscos climáticos são atualmente referidos como o segundo maior risco global para as empresas, também de acordo com o WEF. Adicionalmente, salienta o responsável, na perspetiva dos 162 investidores inquiridos por um estudo da Universidade de Yale, e que representam um conjunto de ativos superior a seis mil milhões de euros, “sem informação atempada não será possível atingir as metas da sustentabilidade”. Neste contexto, António Martins da Costa, defende que “Portugal tem capacidade e potencial para ser um pilar da transformação, e transformar este potencial em realidade será um fator crítico de sucesso para o país”. Uma perspetiva partilhada por Emídio Sousa que acredita que Portugal conta, em matéria de sustentabilidade, com diversas vantagens competitivas face aos seus congéneres europeus. 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Aliás, a empresa lançou uma plataforma, que inclui organizações que fazem parte desta cadeia de valor, e que promove a circularidade do vidro, cujas metas passam por evitar o recurso à natureza para obter matéria-prima e tentar contribuir para elevar a taxa de reciclagem que, afirma, “está estagnada”. Em 2025 espera-se que esta taxa chegue aos 56% quando o objetivo inicial era de 70% para a mesma data. “Há ventos de mudança, mas desafios contínuos”, reforça. Do lado da banca que, nas palavras de Cristina Melo Antunes, “tem responsabilidades no financiamento da transição energética”, a inclusão dos riscos climáticos e de outros critérios ESG (sigla em inglês para Ambiente, Social e Governação) nas análises de risco de financiamento e crédito “deverá ser obrigatória”. No entanto, assume, “é também um grande desafio para as instituições financeiras”. Já Ricardo Morgado, na The Loop Co., cujo modelo de negócio assenta na circularidade – primeiro na venda de livros usados, depois de materiais usados para bebés e, mais recentemente, no segmento B2B no apoio a empresas que pretendam instalar modelos de economia circular internamente -, acredita que há vontade nas empresas para fazer crescer estes modelos de negócio. “Os consumidores estão disponíveis para modelos circulares, painéis solares, e em saber como os produtos são feitos, e não podem ser esquecidos porque são a principal força política nesta matéria”, alerta. Opinião partilhada por Cristina Melo Antunes que acrescenta ainda que “do lado das empresas, saber cooperar é muito importante para garantir uma maior transferência de conhecimento”.   Um desafio de responsabilidade Garantir que a sustentabilidade possa ser um motor para o crescimento económico é um desafio, mas também uma responsabilidade para as empresas. E, para que esta meta seja uma realidade, o primeiro desafio passa por “ter toda a cadeia de valor alinhada”, como defende Cristina Mira Godinho, diretora de qualidade e de sustentabilidade da EFACEC, que participou no segundo debate do dia. Mas, acrescenta Franco Caruso, “a maturidade do ecossistema empresarial ainda é uma barreira”. O diretor de sustentabilidade e comunicação do Grupo Brisa defende que “a palavra-chave é maturidade nos vários níveis e áreas das empresas”, o que ainda não existe em todas as organizações, nem tão pouco nos países da Europa que se movimentam a diferentes velocidades. Deste processo de transformação, acredita, sairão empresas mais eficientes e competitivas e, por isso, mais capazes de contribuir para o crescimento da economia. “Estamos todos no mesmo barco, e não vamos sozinhos”, reforçou Inês Mota. 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